2 de janeiro de 2010

Para onde segue essa tal vida que segue

A gente morava ali em cima, onde está aquele rapazote. Aqui ficava uma coisa que eu nunca soube bem o que era, acho que uma era agência de viagens, qualquer coisa do tipo. Tinha um senhorzinho e o filho dele, o senhorzinho se chamava Alceu. Aqui eu não me lembro bem, parece que vendia ventiladores, qualquer coisa do tipo também. Já ali era uma oficina de bicicleta muito fuleira, que hoje funciona na subida da Getúlio Vargas, antes de descer lá para casa.

Ali do outro lado, atrás da Kombi, era a loja do Délio. Vendia de tudo no Délio, nem sei dizer o que tinha. E aqui atrás não tinha esse negócio, era um terreno onde meu pai parava o carro. A imagem mais clara do Délio é daqueles carrinhos de Fórmula 1 de plástico, sempre aos pares, um verde e amarelo e o outro vermelho e branco: uma Benetton e a McLaren do Ayrton Senna, só podia ser. Na verdade nem sei se tinha disso no Délio, mas sei que tinha um monte de coisas que eu não sei como se chamam, coisas de costura. E por aí vai.

Pois bem, aqui era um açougue, depois tinha um barbeiro com uma puta cara de barbeiro, um senhorzinho desses que a gente chama com gosto de Seu Fulano. Depois dessa escada tinha uma doceria, uma quitanda nesse espaço apertado e aqui era o bar dos Mineiros - ou do Mineiro, no singular, que seja, já faz quase vinte anos -, quer ver? Taí o bar, com a mesma cara de quase vinte anos atrás.

A gente se mudou dali quando eu tinha seis, quase sete.

Tudo isso, memórias que brotaram outro dia mais cedo quando eu seguia de bicicleta para a casa do meu avô, tudo isso serviu apenas para preencher alguma parte do buraco que tem habitado em mim nos últimos quinze dias, desde que voltei para minha terra natal. Não falo de buracos para baixo, como aqueles que meu cachorro anda cavando, mas de buracos de parede. E não digo "quinze dias" para arredondar duas semanas, digo quinze porque foi há quinze dias mesmo que a coisa toda começou a desandar. E digo desandar é de desandar mesmo, porque a tendência já era a desandagem quando, às dez e tantas da manhã do dia dezoito de dezembro do meu terrível dois mil e nove, deixei Juiz de Fora rumo a Valença.

E não é que o ano enfim virou?

Falando em buraco na parede, preciso fazer dois deles para penduricar La danse de Matisse e a imagem catamarqueña de uma avestruz que ganhei já faz bastante tempo e que nunca tive a oportunidade de penduricar nas minhas paredes juizforanas.

Ter eu até tive, o problema foi nunca ter lembrado.

Têm sido assim meus primeiros dias valencianos: tão sozinhos, meio sem sal, meio sem saber para que lado vão. Se é que estão indo para algum lugar.