25 de dezembro de 2010

Il faut bouger la vie

Je me révolte donc nous sommes. 
(Albert Camus)

Meu 2010 começou na manhã de 18 de dezembro de 2009, quando descarreguei minhas sete primaveras juizforanas no velho quarto da casa em que cresci. À tarde arrumei meus livros na estante e à noite perdi meu pai. Para sempre vou trazer no tímpano esquerdo o peso das suas últimas palavras para mim, ditas poucas horas antes de ele entrar no hospital: então vem, meu filho, vem cuidar de mim. Acho que desde então existe algo a ser resolvido na minha vida e os marcos temporais, como aniversários, fins e começos de semestres letivos e réveillons, viraram janelas que tenho que abrir e fechar.

Em 2010 levei um monte de chineladas na cara, e vi amigos meus levando outras tantas. Também dei as minhas chineladas (não sou nenhum santo). Saí, voltei e saí e voltei várias vezes. Juiz de Fora continuou sendo uma presença que me assombra, para o bem e para o mal. Aceitei que o sol das tardinhas na Lagoa rivaliza lindamente com o sol das tardinhas de Valença. Vi coisas que sempre estiveram com a cabeça no meu colo saírem voando e virarem respostas, answers blowin' in the wind. Descobri um sem-começo-nem-fim de coisas, de lugares e de sorrisos que eu quero. Por outro lado, descobri umas quatorze coisas que não quero. Descobri uma esquina e um ponto de ônibus em que posso me sentar e passar horas sem ser visto; aliás, decidi que meu livro, se algum dia eu o escrever, vai se chamar Bus Stop Blues. E não, a minha família ainda não conseguiu resolver seus pepinos. Mas minhas irmãs, minha mãe, meu sobrinho e eu estamos no caminho. E cada Reis de Faria que vier vai virar uma folha no galho que trago desenhado no braço direito.

Neste ano estive no meio de várias situações em que as teimosias, as fraquezas e, mais do que tudo, as vontades (essas putas!) se encararam, se bateram e deram sarrafadas na cara umas das outras -- o que não foi propriamente uma novidade, mas acontece que a vida é um parêntese aberto e chega um ponto em que é preciso sacudi-la. Em 2010 resolvi sacudir minha vida umas trinta vezes... Daqui a poucas noites o ano novo vai se descortinar e me desculpe, babe, olhando por esta janela da Calle Arenales, de onde vejo o começo de Kadıköy, a Butte Montmartre e uma faixa de pedestres da Tijuca, não posso deixar de ser teimoso: vou continuar correndo, eu vou correndo buscar a glória.

O tempo é um bicho que anda e anda e nesse andar ele vai marcando o chão. Essas marcas se cruzam o tempo todo; mas nós não somos essa marca, nós somos as patas do bicho, as patas que deixam[os] marcas no chão e pisões nas patas dos outros - l'enfer c'est les autres, faut pas oublier! Pois hoje acordei com uma pergunta na cabeça, a última frase do primeiro romance de Mario Benedetti, lançado em 1953. A lucidez sempre foi a mais nobre característica de Benedetti, meu grande amigo uruguayo que virou uma estrela no céu de Rudá em 17 de maio de 2009. A pergunta que ele lançou diz assim: ¿quién de nosotros juzga a quién?

Fechar um ano e começar o outro -- ou melhor, fechar uma janela e abrir outra com uma pergunta, e não com uma lista imperativa, me parece sintoma de algo bom.