31 de maio de 2013

Numa tarde de Corpus Christi

Le peintre solitaire dans l'après-midi de la Fête-Dieu
Além de pintar, o que fazia esse homem solitário numa tarde de Corpus Christi?

O dicionário Le Robert diz de solitaire: "que vive, que faz algo na solidão e se contenta com isso", ao que se segue o exemplo "solitários contemplativos", extraído de uma citação de Rousseau sobre homens cujo silêncio só poderia ser quebrado pelos sons da natureza.

O pintor de parede solitário da tarde de Corpus Christi trabalhava pendurado num prédio da avenida Mem de Sá. Se desse as costas para a parede, ele poderia ver a Lapa, alguma nesga do Pão de Açúcar, Niterói e a boca da Guanabara. 

No que pensava o pintor?, o que contemplava diante da sua parede de cor difícil? Certamente, nada que tivesse a ver com a natureza de Rousseau. Estaria ele pensando na próxima refeição?, nas imperfeições da pintura?, na vida que seguia do outro lado da parede?, no jogo do Flamengo?, em descer dali (ainda que, para descer, fosse antes necessário subir)?

Em meio às minhas obviedades, penso no tédio do poinçonneur de Gainsbourg, que passava seu tempo furando os bilhetes dos passageiros em uma estação terminal do metrô parisiense. Outra das minhas obviedades: pensar no metrô d'après Cortázar in "El perseguidor": "viajar no metrô é como estar metido em um relógio."

Id est: ontem, numa tarde abafada de Corpus Christi, entramos na estação Saens Peña. Entramos pelo outro lado – "outro" em relação ao lado em que eu sempre entrei –, o que causou uma pane na minha bússola biológica que eu só devo ter resolvido lá pela Cinelândia. Saímos no Largo do Machado alguns minutos mais tarde, a alguns quilômetros de distância, sob o mesmo calor sufocante (mas já sem a tal confusão mental). Por alguns momentos, deixamos de existir nessa realidade em que nascemos, comemos, somos educados e trabalhamos para existirmos aos saltos, entre uma estação e outra: as pessoas que entram e saem do vagão mudam o ambiente, viram a página daquela realidade saltada, inauguram um novo capítulo de pensamentos, coisas assim.

No que pensava aquele homem que trabalhava numa tarde de feriado? O poinçonneur des Lilas, o pintor de parede da Lapa and o pedreiro da nossa obra, todos trabalhando numa tarde de feriado.

E no que pensava o homem que olhava o pintor desde o alto do prédio?

20 de maio de 2013

Le questionnaire de Proust, version 2013

Ma vertu préférée : à vrai dire, les choses que j’ai à faire ne sont pas de vertus.
La qualité que je préfère chez un homme : la souplesse.
La qualité que je préfère chez une femme : la souplesse.
Ce que j’apprécie le plus chez mes amis : ils ne valent pas un clou.
Mon principal défaut : je me déconcentre vachement trop.
Mon occupation préférée : frotter les pieds de Lætitia.
Mon rêve de bonheur : frotter les pieds de Lætitia au gré de mes désirs.
Quel serait mon plus grand malheur ? Si Lætitia m’empêchait de lui frotter les pieds.
Ce que je voudrais être : celui qui ne se déconcentre pas trop.
Le pays où je désirerais vivre : ici ça va.
La couleur que je préfère : vert.
La fleur que j’aime : je ne sais pas, mais j’aime le romarin.
L’oiseau que je préfère : je ne sais pas, mais j’aime les raies.
Mes auteurs favoris en prose : Julio Cor, Albert Ca.
Mes poètes préférés : Charles Bau, Carlos Dru.
Mes héros dans la fiction : Macunaíma c'est déjà lourd comme héros.
Mes héroïnes favorites dans la fiction : La Maga c'est déjà lourd comme héroïne.
Mes compositeurs préférés : P. da Viola, F. de Hollanda.
Mes peintres favoris : H. Matisse et J. Miró.
Mes héros dans la vie réelle : je vous le raconterai quand je les aurai choisis.
Mes héroïnes dans l’histoire : je vous le raconterai quand je les aurai choisies.
Mes noms favoris : Teresa avec un S, même si Lætitia ne l’aime pas.
Ce que je déteste par-dessus tout : les fourmis.
Personnages historiques que je méprise le plus : les gens à droite en général.
Le fait militaire que j’admire le plus : la traversée du Rubicon. Je l’ai vu à la télé.
La réforme que j’estime le plus : la réforme morale des gens gonflants.
Le don de la nature que je voudrais avoir : le tsunami.
Comment j’aimerais mourir : je n’aime pas l’idée de mourir.
État d’esprit actuel : j’ai chaud. J’ai toujours chaud.
Fautes qui m’inspirent le plus d’indulgence : ce sont les gens qui méritent l’indulgence.
Ma devise : évitez le téléphone.

13 de maio de 2013

Eu vou correndo

Próxima estação: Largo do Machado. Estação de integração para Laranjeiras, Cosme Velho e Cristo Redentor. Após dois anos, essa frase deixará de significar que ainda faltam alguns longos minutos até eu poder dizer home sour home. Quer dizer, após dois anos ganhando mofo em ponto de ônibus e jogando dinheiro de aluguel descarga abaixo, vou dar adeus a Laranjeiras. Adeus, Laranjeiras... ou hasta luego? J'sais pas. Nas nossas andanças de sábado, a Letícia dizia que gostava de tal ou tal prédio; eu embarcava dizendo que a gente moraria aqui ou ali. Prédios do Cosme Velho: bonitos, embora eu nunca tenha visto nenhuma alma viva entrar nem sair deles.

Vou sentir falta do bolinho de bacalhau da feira e das crianças comediantes da creche. Não vou sentir falta da gentinha do prédio ao lado nem da chuva atravessando a esquadria, pingando pelo peitoril e estufando o piso. Não vou sentir falta de deixar rios de dinheiro na lavanderia e na conta da proprietária deste apartamento. Eu queria muito mandar a Berenice tomar no cu. Eu só queria que ela soubesse o quanto eu penei para lidar com os problemas desse apartamento. Mil e duzentas dilmas: se foder, cara.

No meu segundo sábado em Laranjeiras, eu disse para minha amiga Luciana que havia vindo para cá para "escrever tese". A verdade é que eu produzi muito pouco nesses dois anos. Pouco, mas o suficiente para entender que fazer doutorado (corolários: burocracia, incompetência alheia e desmandos num ambiente que deveria suar espírito libertário) é só para quem tem estômago. Ô pai, ô mãe, que criação foi essa que vocês me deram e que me fez cultivar tantas ilusões?

Esse desaforo cotidiano que chamamos de vida.

Já faz três meses que desativei minha conta no Facebook. Tirando meus amigos de verdade, aqueles para quem eu puxo cadeira no boteco, nego estava muito chato. Nego estava falando demais. Histrionismo demais, Spice Girls demais, instagramização demais, iShit demais. Trabalhando 60% do tempo em casa, eu padecia do mal de ver qualquer intervalo de dez minutos se transformar em uma ou duas horas jogadas fora naquela droga. Eu perdia um baita tempo me irritando com o ser humano. Embora esse processo de desintoxicação virtual esteja sendo menos produtivo do que o esperado –bem menos, aliás–, o fato é que eu voltei a sentir saudades dos meus amigos, desses para quem eu puxo cadeira.

Acontece que, agora, a vida pulsante não está mais nesses arredores. Eu vou correndo buscar a glória com minha Letícia, minha alegria.

Próxima estação: Afonso Pena.