13 de setembro de 2022

Trigésimo oitavo

Me olhando no espelho nesta manhã, notei, mais uma vez, que o maior efeito de dois anos e meio sem praticar atividades físicas é uma feiura generalizada, temperada por um estado depressivo terrível que o retorno ao trabalho presencial não conseguiu aplacar, pois retornamos em condições materiais, humanas e institucionais bastante precárias.

Sim, comecei o meu aniversário da mesma forma que vivi cada dia dos últimos 365 dias: dizendo que estou mais feio do que nunca.

Às terças eu entro em sala às 7:00, sem ter visto a Dora antes de sair de casa. A Letícia, que acordei às 6:15, e três colegas que sabiam que hoje é meu aniversário foram as primeiras pessoas a me cumprimentar. Nas minhas duas primeiras turmas ninguém sabia. Na terceira, uma menina se lembrou – falamos disso há alguns dias, quando combinamos nossa agenda de trabalho. A quarta turma, que é a mais carinhosa, mas a pior em termos de atitude dentro de sala, me recebeu cantando parabéns. Ganhei um bombom de uma aluna que sempre escreve "oi, prof, tudo bem com você?" no cantinho dos materiais que recolho para corrigir. A quinta e última turma da manhã também se lembrou, mas mais timidamente.

Quando cheguei em casa, abri enfim o WhatsApp e respondi à dúzia de mensagens que recebi por ali. Busquei a Dora na escola às 17:30 e ela cantou parabéns para mim no caminho. Dora é assim, carinhosa, ela acredita em datas. Ainda tenho que responder a uma mensagem em vídeo que recebi da minha mãe e da minha irmã.

Voltando à coisa da feiura: hoje, pela primeira vez desde que retornamos ao trabalho em fevereiro, dei aulas sem máscara. Aquela terceira turma, uma turma de 2º ano do Ensino Médio, é uma turma pequena, formada por 14 alunos que eu já conheço desde 2018, quando foram meus no 7º ano. Temos alguma intimidade e uma parceria bem assentada. Gosto deles. Tenho levado alguns vídeos para contrabalancear a pesada carga de textos que lemos no primeiro trimestre. Pois hoje, enquanto eu montava a parafernalha de computador, projetor e caixa de som, me sentei numa carteira perto de uma aluna chamada Maria Eduarda, menina cheia de opiniões, bastante inteligente e, ouso dizer, madura. De repente ela disse:

Sua barba tá bonita assim.

Oi?, perguntei, sem entender, porque ninguém, tirando Letícia e Dora, me diz coisas assim.

Sua barba tá bonita assim.

Agradeci, um pouco desconcertado, mas não porque foi o elogio de uma aluna, mas porque foi um elogio dessa natureza. Há muito não recebo elogios dessa natureza. Aliás, há algumas semanas um aluno autista do 7º ano disse, com incredulidade, ao descobrir que sou casado e tenho uma filha:

Mas você é feio.

Ao que respondi, sem pensar, pedindo para ele me contar alguma novidade. Tenho pena dessa criança, que praticamente só consegue conversar com as pessoas agredindo-as ou ameaçando-as.

Apesar de ter reconquistado a sala de aula, não tive um ano fácil. Insônia, sedentarismo, emburrecimento agudo, compulsão alimentar, sensibilidade auditiva cada vez maior, falta de tempo para me divertir e estudar, incapacidade de escrever. A meta para meu 39º ano poderia ser "fazer menos coisas, com mais qualidade", mas acho que vou me contentar com a meta "reclamar menos".

17 de março de 2022

Três mil e trinta e quatro dias depois

Saí de uma reunião on-line (quem ainda as aguenta?) e fui lavar a louça que nós três deixamos na pia pela manhã. Ouvi o primeiro episódio do novo podcast da Ana Roxo e da Tati Fadel – Diário possível, mas inventado. Um episódio muito bonito...

Fiquei pensando na palavra "espanto", dita várias vezes no episódio. O que ainda me causa espanto? "Não o espanto ruim", como dizia a Ana Roxo.

Passei alguns minutos revisitando meus últimos tempos e pensando no que ainda era capaz de me causar espanto. A aluna que, em uma aula, elaborou toda uma teoria de cinco minutos sobre a diferença entre autonomia e independência? A outra aluna que fez uma dissertação de cinco minutos sobre abandono paterno quando entendeu que o personagem do texto que líamos na sala não tinha um pai presente? A outra, que ao ver uma imagem de um menino desenhando o símbolo do masculino e de uma menina diante do símbolo do feminino unidos por um sinal de igual, fez uma dissertação sobre o papel dos homens na luta por igualdade de gênero quando percebeu que a menina da ilustração já estava com as mãos na cintura porque havia sido muito fácil para ela contribuir para a criação dessa igualdade?

Demorei até encontrar outra coisa, mais óbvia e mais próxima, mais simples e cotidiana, mas cujo efeito eu jamais havia chamado de "espanto".

O espanto que me move há seis anos e meio: minha filha descobrindo o mundo, descobrindo, dia após dia, que o mundo é mais largo que parece.

Penso, rapidamente, numa frase de José Martí que eu já soube dizer de cor:

Cree el aldeano vanidoso que el mundo entero es su aldea, y con tal que él quede de alcalde, o le mortifique al rival que le quitó la novia, o le crezcan en la alcancía los ahorros, ya da por bueno el orden universal, sin saber de los gigantes que llevan siete leguas en las botas y le pueden poner la bota encima, ni de la pelea de los cometas en el Cielo, que van por el aire dormidos engullendo mundos.

Minha filha, que com oito ou nove meses ficava de quatro no chão, irritadíssima porque não conseguia coordenar os movimentos dos braços e das pernas a fim de engatinhar.

Minha filha, que um dia aprendeu a fazer xixi no vaso, mas se cagava (e se mijava) toda, de pé, quando tentava controlar o esfíncter.

Minha filha, que, pouco antes de completar cinco anos, no primeiro ano da pandemia, vendo mãe e pai trabalharem o dia inteiro no computador, agoniada diante daquele monte de coisas escritas nas nossas telas e nos nossos livros, decidiu que precisava aprender a ler e aprendeu, praticamente sozinha, usando como palavras geradoras os nomes dos personagens de sua série de televisão preferida.

Minha filha, que, meses depois, puxou um livro que a mãe havia deixado em cima da mesa (Minha irmã, a serial killer) e começou a ler, deitada no sofá, com as pernas cruzadas.

Minha filha, que, no vídeo que recebi hoje cedo do diretor da escola pelo WhatsApp, estava nadando sem ajuda da professora de natação. Doze segundos com o rosto dentro da água, batendo os pés e rodando os braços em movimentos perfeitamente coordenados. Uma baita conquista para quem tem pânico de água no rosto.

Minha filha, uma menina que me parece tão grande quando está dormindo, mas tão pequena quando andamos na rua.

Dora, meu grande espanto.