27 de agosto de 2013

Alice, cronópios, Amélie: post de aniversário

Eu gosto do encontro de Alice com a lagarta do cogumelo:
Alice looked all round her at the flowers and the blades of grass, but could not see anything that looked like the right thing to eat under the circumstances. There was a large mushroom near her, about the same height as herself, and when she had looked under it, and on both sides of it, and behind it, it occurred to her to look and see what was on the top of it. 
Acho particularmente genial como Lewis Carroll estende essa última frase quando poderia ter escrito apenas she looked all around it. Sigamos:
She stretched herself up on tiptoe, and peeped over the edge of the mushroom, and her eyes immediately met those of a large blue caterpillar, which was sitting with its arms folded, quietly smoking a long hookah, and taking not the least notice of her or of anything else. 
For some time they looked at each other in silence: at last the caterpillar took the hookah out of its mouth, and languidly addressed her. 
–Who are you?, said the caterpillar. 
This was not an encouraging opening for a conversation: Alice replied rather shyly, "I--I hardly know, sir, just at present--at least I know who I was when I got up this morning, but I think I must have been changed several times since that." 
–What do you mean by that?, said the caterpillar, explain yourself!
–I ca'n't explain myself, I'm afraid, sir, said Alice, because I'm not myself, you see.
–I don't see, said the caterpillar.
–I'm afraid I ca'n't put it more clearly, Alice replied very politely, for I ca'n't understand it myself, and really to be so many different sizes in one day is very confusing.
...e por aí vai. Em algum de seus textos, Cortázar retoma essa ideia de "ser várias pessoas em um mesmo dia". Não posso senão concordar, até porque tenho muito claro que eu não sou o mesmo que foi ao supermercado hoje de manhã, mas o que eu acho curioso é que o mesmo Cortázar instaurou um problemão quando criou os cronopios, as esperanzas e os famas. Quer dizer, não é Cortázar quem instaura este problema, mas sim o ser humano, com sua insuportável vaidade. Enfim. Acontece que ontem eu esbarrei n'O escorpião encalacrado do Arrigucci Jr. e reli o contículo chamado Un cronopio pequeñito, que ele cita para mostrar o tipo de presente de grego que Cortázar costuma deixar para seus leitores:
Un cronopio pequeñito buscaba la llave de la puerta de la calle en la mesa de luz, la mesa de luz en el dormitorio, el dormitorio en la casa, la casa en la calle. Aquí se detenía el cronopio, pues para salir a la calle precisaba la llave de la puerta.
Dizem que Cortázar é um autor boicotado no meio acadêmico argentino. Qué sé yo, nunca estudei lá, estudei foi no Brasil, e como lá se vai uma década lendo Cortázar a fundo, já me cansei de ver que as pretensões de seriedade de nosso fuleco meio acadêmico vão por água abaixo quando lemos as Historias de cronopios y de famas. Ou apenas Historias de cronopios, porque os famas e as esperanzas quase nunca são mencionados em nossas aulas. Então estariam certos os argentinos? Fato: todo mundo se identifica com os cronópios, todo mundo quer ser cronópio, todo mundo acha que pode ser cronópio. Do mesmo modo que todo mundo se identifica e acha que pode ser a Amélie Poulain. Cara, eu já enfiei a mão num pote de feijão. A cena clássica da Amélie enfiando a mão no saco de lentilhas não veio acompanhada de sua continuação: a mão cheia daquela poeirinha chata. Se Jeunet tivesse mostrado Amélie limpando a poeira da mão, eu teria me lembrado.

Dizem que virginianos tendem a ser organizados. Em nossas conversas de virginianos nascidos na mesma semana, Letícia e eu entendemos que o ser virginiano se caracteriza mais por um desejo de organização do que por uma organização efetiva: é só ver minha mesa de trabalho ou meus planos de aula. Mas o pior está em minhas gavetas, na gaveta de meias da Letícia, em nossa gaveta de utensílios de cozinha. Se tem algo que virginiano adora, é um monte de gavetas para sair enfiando seus objetos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário